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Conto de todos os cantos: Mestre Casquinha e Maria da Conceição


Dona Conceição veste uma blusa roxa e está sorrindo. Mestre Casquinha veste branco, com semblante série.
Maria da Conceição e Mestre Casquinha na sede da Associação. Créditos: Alícia Antonioli

Nascido em Pernambuco, Cícero Gomes dos Santos viveu por muitos anos no Rio de Janeiro antes de se mudar e se estabelecer em Entre Rios de Minas/MG. Durante o caminho percorrido, ele passou a ser conhecido como Mestre Casquinha: apelido dado a ele na trajetória enquanto capoeirista.


Fundador da Associação de Capoeira Pai e Filho, ele e a esposa, Maria da Conceição Santos, dão aulas na cidade. Lá, eles realizam parcerias com a APAE, formaram dezenas de alunos e seguem com o projeto, que foi fundado há mais de 40 anos.


Leia abaixo a entrevista conduzida pela arte-educadora Elis Ferreira com o Mestre e conheça mais sobre a história do professor de capoeira. Confira!


Dois adultos de pé, usando máscaras, e conversando.
A arte-educadores Elis Ferreira em conversa com o Mestre Casquinha. Créditos: Alícia Antonioli

Conte um pouco sobre a sua história, de onde o senhor vem.

Nasci em 11 de fevereiro de 1947, há 74 anos e algumas coisinhas… Minha esposa e eu somos de um lugarzinho chamado Sertânia, em Pernambuco. Ainda jovem, me mudei para Recife, a capital do estado. De lá, fui para o Rio de Janeiro, onde vivi por 35 anos! Depois disso, vim para Entre Rios de Minas e aqui me instalei há mais de 20 anos.


E o que fez o senhor vir para Entre Rios?

No Rio de Janeiro, trabalhei em uma empresa de construção civil chamada Armafé. De lá, passei para o Grupo Gerdau e fui trabalhar em Três Rios/RJ. Em seguida, já em Minas, passei por Ouro Branco, Jeceaba e cheguei a Entre Rios, sempre acompanhando a firma e movimentando o cenário da capoeira. Quando o serviço terminou, voltei para o Rio, onde fundei a Associação [de Capoeira Pai e Filho]. Em 1986, me aposentei pela Gerdau e, em 1998, me mudei para cá e fiquei aqui direto.


Qual é a história do senhor com a capoeira?

Quando eu trabalhava lá no sertão de Pernambuco, chegavam muitos baianos para trabalhar no corte de cana onde meu pai era administrador. Eles falavam sobre capoeira, pulavam de lá para cá, eram muito ágeis, muito musculosos e jogavam muito. E eu, que queria aprender, pensava: “Não é possível um homem pular desse jeito, jogar…”. Mas eles não me ensinavam não, só faziam isso no leito cortando cana.


Quando me mudei para o Rio, trabalhei na ponte Rio-Niterói. E um dia, eu peguei o ônibus para a companhia e um rapaz me falou: “Olha, aquele moço é professor de capoeira”. Então, me aproximei do moço e falei: “Como é que é essa capoeira?”. Ele respondeu: “Ocê quer aprender, moreno?”. E eu: “Ai, ai, ai… Sim, quero aprender capoeira”. Ele comentou que era soldador: “Trabalho na mesma empresa que você. Quando o mestre deixar, vou te levar na academia para te apresentar ele. E aí, quem sabe…”.


Depois disso, fui em um dia de roda de capoeira — que é quando se faz o aproveitamento, é colocado em prática o que se treinou — para assistir. Depois, o moço me apresentou ao mestre, que me perguntou se eu trabalhava. Eu disse que sim e ele pediu para ver a minha carteira assinada. Depois que mostrei, ele deixou eu participar. Então, fiz minha matrícula e comecei a treinar em 1972. Isso foi, eu me recordo até hoje, no dia 26/08/72. Nesta data, me registrei na Federação de Capoeira do Estado do Rio de Janeiro, há praticamente 50 anos!



Como foi todo esse processo de aprender capoeira e se dedicar a ela?

Olha, deu vontade de desistir porque a capoeira era muito rápida, muito violenta mesmo. Mas treinei, treinei e treinei... E quando já estava há um pouco mais de cinco treinando, passei a ser o monitor, que auxiliava o professor. Nesse nível, você já tem que dar aula, fazer tudinho. Claro, com o mestre te apoiando. Na sequência, com seis anos e pouco na capoeira, passei a ser professor. E essa é minha história, sempre correndo atrás e me graduando de ano em ano.


E hoje em dia, como o senhor faz para seguir se atualizando na profissão?

Para se graduar, você tem que ter alunos formados e apresentá-los ao seu mestre. A Federação vem e faz avaliação do seu trabalho, do seu currículo. [Para ser mestre na capoeira] Não é só chegar e levantar a perna, não. Não pode beber, não pode fumar. Tem que ter um perfil, ser um senhor. Isso tudo porque o educador representa o projeto. Então, se ele beber, fumar ou não tiver disciplina, o que ele tem a passar aos seus alunos e à família deles?


O mesmo vale para os alunos, Mestre Casquinha?

Sim, nós conversamos com o pai, a mãe e o aluno. Dizemos para o menino: “Aqui é o seguinte: as disciplinas aqui são essas, leia aí a papelada do currículo. Você não pode chegar atrasado, o horário é X. Se você chegar atrasado, paga flexão. Tem que chegar com a roupa limpa. Pode até sair sujo porque quando jogamos suamos muito, mas chegue com a roupa limpa”.


Se a pessoa for de 17 ou 18 anos, dizemos que não aceitamos beber e fumar. E, se vier reclamação do colega, do diretor ou do professor, ele pode ser suspenso. Dependendo da segunda vez, ele já não frequenta o grupo. E não pode incentivar briga na rua.


Casquinha aponta coleção de quadros na parede.
Mestre Casquinha mostra seu acervo de fotos e certificados. Créditos: Alícia Antonioli

Então, o senhor propõe uma filosofia, um jeito de levar a vida, além da prática da capoeira?

Sim… Porque, antes de eu chegar em Entre Rios de Minas, vieram uns que bagunçaram muito a visão das pessoas. Por isso, minha esposa e eu corremos para registrar a Associação e pegamos 100 assinaturas na comunidade. Fizemos isso para pegar confiança, ter o apoio da Igreja, da Polícia, do Conselho Tutelar. Nós, como educadores, temos que fazer isso.


E como aconteceu a fundação da Associação?

Fundamos a Associação de Capoeira Pai e Filho lá no Rio de Janeiro. O nome é esse porque éramos meu filho e eu. Em 1986, ele não quis continuar, e agora sou eu e a Dona Maria [da Conceição].


Quando eu não estava presente, por conta do outro trabalho, a minha esposa, que também é professora de capoeira, segurava as pontas e dava as aulas até eu voltar para para casa. Ela é a administradora e me ajuda muito.


O nosso trabalho existe até hoje, tá aqui e não pode acabar.

De onde vem o apelido de Mestre Casquinha?

Todo capoeirista mestre tem um apelido. O meu é Mestre Casquinha, aqui em Entre Rios de Minas. Já no Rio de Janeiro, é Mestre Cícero. Inclusive, nas camisas do meu grupo, está escrito Mestre Cícero.


É importante dizer que isso de ter apelidos é algo que vem desde os fundamentos da capoeira. Quando começou, lá na Bahia, a capoeira era proibida. Então, quando um delegado chegava e falava para os soldados: “Olha, esse moço é capoeirista e ele tava aprontando. Como é o nome dele?”. E os soldados respondiam: “É fulano de tal”.


Então, quando chegavam para prender o capoeirista e perguntavam quem era aquele indivíduo, ele dizia o outro nome, falavam: “Não, aqui não tem esse moço”. Com isso, o mestre dizia: “A partir de hoje, você que faz parte de tal associação, vai ser apelidado de X” e dava o novo nome. Eles tinham nomes como Bem-te-vi, Macaco, Onça…


Sete berimbaus pendurados na parede e outros instrumentos musicais apoiados em uma mesa.
Coleção de berimbaus e instrumentos usados nas aulas. Créditos: Alícia Antonioli

Como funciona esse processo de dar o apelido hoje em dia?

Antes dos atletas serem batizados, a gente diz que são pagãos. Eles só são batizados quando recebem a primeira corda — que corresponde ao primeiro nível de graduação — do Mestre. Para isso, o Mestre olha a maneira como o atleta se expressa, sua ginga e sua frequência. Por exemplo, eu, como mestre, converso com o aluno, explico que ele vai receber sua primeira graduação, que faz parte do nosso grupo de capoeira e vai ser batizado.


Então, ele é batizado e digo: “A partir de hoje o seu apelido vai ser X”. Se já tiver um, continua e se não, a gente escolhe. Se ele aceitar aquele o que a gente escolheu, muito bem. Caso contrário, escolhe outro. No meu grupo aqui tem um monte de apelido: o Da Roça, o Ginga, o Ginguinha...


O senhor formou outros professores em Entre Rios?

Desde que cheguei na cidade, já formei três professores de capoeira. Esses professores treinaram comigo por vinte anos. Formei o Leo, apelidado como Pingo, o Caruncho, que também chamam o Veinho, e o Betinho, que chamam de Jacarrá.


Hoje em dia, eles dão aula através de um projeto entre o Grupo de Capoeira Pingo de Ouro — do Pingo, que foi meu aluno — e a Prefeitura, voltado para crianças carentes. Isso com o apoio do Mestre Cícero, ou seja, eu. Porque todo professor de capoeira responsável por um trabalho tem que ter um mestre para apoiar ele. Quase como um colégio que tem os professores e um diretor.

 

O Conto de todos os cantos sobre Entre Rios de Minas é patrocinado pela Vallourec via Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo de Entre Rios e Lei de Incentivo à Cultura.


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