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Conto de todos os cantos: Euler Cruz


Euler ao lado de algumas de suas obras. Créditos: Teatro da Pedra

Nascido em Piumhi/MG, Euler Cruz é escritor, poeta e autor de dez livros sobre temas diversos. Vindo de uma família que valoriza a cultura e as literaturas, é grande admirador de Minas Gerais e busca conhecer e registrar as memórias e histórias do estado.


Devido à sua trajetória em movimentos católicos de esquerda durante a ditadura, conheceu o distrito de Piedade do Paraopeba em Brumadinho, onde vive e se dedica à escrita atualmente.


Leia a seguir a entrevista coordenada pelos arte-educadores do Projeto Arte Por Toda Parte de Brumadinho com o poeta e conheça mais sobre a sua trajetória!


Fernanda Nascimento, Priscila Mathilde, Euler Cruz e Pablo Fernandes no dia da entrevista. Créditos: Teatro da Pedra

Conte sobre a sua história.

Nasci e passei minha infância em Piumhi. Como meu pai só tinha estudado os quatro primeiros anos da escola, ele queria que os filhos estudassem. Então, ele fez de tudo para conseguir uma transferência para Belo Horizonte e conseguiu fazê-lo.


Foi muito interessante como ele conseguiu a transferência. A minha avó Maria e sua irmã Vicentina tinham estudado com Juscelino Kubitschek, eles eram muito amigos. E, quando ele ia a Piumhi, sempre visitava a minha avó.


Em uma dessas visitas, em 1963, ela colocou um bilhetinho no bolso da calça dele pedindo a transferência do meu pai. Daí, dois meses depois, chegou uma carta dizendo que era para o meu pai escolher para onde queria ser transferido. Foi então que nos mudamos e o resultado disso é que todos os filhos se formaram.


De 1966 a 1969, nós moramos em Santa Bárbara do Mato Dentro, e lá eu tive uma formação muito importante, no Seminário dos Salesianos. Além disso, o fato de morar em uma cidade histórica fez com que eu tivesse o sentimento de viver na cultura histórica de Minas, de estar ligado à história e à construção inicial deste estado e do país.


Como você chegou a Piedade do Paraopeba?

Em BH, eu fazia parte de um grupo de jovens da Igreja Franciscana. Durante todo o período universitário participei não só desse grupo, mas também da Pastoral Universitária. Os dois movimentos eram da esquerda católica, ligados ao Frei Leonardo Boff e à Teologia da Libertação, mas sem um partido político.


Em uma dessas atividades, o Vigário Antônio Francisco foi indicado para ser vigário de Piedade do Paraopeba. Então, vim para cá junto com ele e um amigo de um dos grupos, e nós começamos um trabalho aqui.


O Vigário teve a ideia de construir a Casa Paroquial com o intuito de ser um espaço de formação e de conscientização de líderes rurais e uma creche. Ele conseguiu o dinheiro necessário através de movimentos católicos na Holanda e outros que a gente fazia.


Mas era época da ditadura e tudo era muito difícil. E, quando a construção estava na metade, o Frei Antônio foi afastado, como várias outras pessoas que eram ligadas à Teologia da Libertação. Com isso, veio para Piedade um outro Frei que levou o dinheiro para Belo Horizonte e o ocupou para uma igreja lá.


A partir desse momento, nós que estávamos nesse grupo continuamos alguns trabalhos, mas muitos se afastaram. Com o tempo, fomos expulsos dos aposentos da Casa Paroquial e o grupo se desfez.



E depois desse acontecimento, você continuou em Piedade?

Depois disso, construí minha casa aqui e conheci a Ângela. Eu a conheci no carnaval de 1996, quando resolvi procurar a fazenda que muita gente dizia que era do Alvarenga Peixoto.


Cheguei até o Córrego do Feijão, fui numa venda e perguntei sobre o lugar que me indicaram. Chegando lá, vi a Ângela e esse foi o nosso primeiro encontro. Depois nos encontramos novamente em 1997, e eu dei um jeito de manter contato. Depois de um tempo, nos casamos e, assim, continuamos seguindo a vida.


Conte um pouco sobre o seu despertar para a arte.

Essa motivação tanto para a arte quanto para a história vem das minhas avós, materna e paterna. A família inteira foi criada em Diamantina, muito próximos à cultura de serenata, de música, poesia e muito sentimento.


E, quando meu pai ainda era criança, a família dele se mudou para Piumhi, onde eles transplantaram tudo o que tinham em Diamantina, em termos de ambiente familiar e artístico.


Lembro-me que quando eu era menino, eu saia para brincar com a meninada na rua que não tinha nem calçamento nem luz elétrica. Quando já estava escuro e a brincadeira acabava, a gente ia para a casa da minha avó. Lá tinha uns instrumentos musicais e ali a gente tomava um café com broa e biscoito e ficava vendo o sarau que faziam. Os vizinhos se juntavam a nós, chegava meu Tio Geraldo do trabalho e a música acontecia até a hora de dormirmos. Me lembro que isso acontecia quase todos os dias.


Já minha avó materna, Maria Tomásio de Oliveira, tocava violão e gostava muito de poesia. Ela decorava várias músicas e me ensinou a cantar e tocar várias da infância dela. Até hoje eu sei músicas do século XIX e era o que as pessoas cantavam há 150 anos.


Em uma gota d'água caída há poesia suficiente para inundar completamente a minha vida.

Você escreveu sobre Piedade do Paraopeba?

Quando me mudei para Piedade, procurei as pessoas mais velhas porque queria saber sobre a história da região.


Por exemplo, aqui onde eu moro tinha uma casa de adobe antiga que pertencia ao Padre Ubaldo da Silveira. Ele escrevia várias coisas e, para mim, ele foi a maior personalidade da região. Além dele, numa fazenda aqui perto viveu Antonico, um grande compositor e amigo do Padre que compôs várias partituras de músicas sacras. Depois de descobrir sobre eles, comecei a me interessar pela história desse lugar.


Mais tarde, o Senhor Valdomiro veio tomar conta dessa casa e nós nos tornamos amigos. Ele era benzedor e raizeiro aqui da região, e me contava muita coisa da vida dele, da comunidade e da região como um todo.


Também conversei com a Dona Algemira, que foi professora, e peguei vários depoimentos dela contando sobre sua vida. A partir disso, escrevi o Primeiro Caderno da história de Piedade.


Durante anos, também convivi com o Neneco, que era nascido aqui e que escrevia e contava muita história. Da conversa com ele e dentre várias coisas que consegui registrar, surgiu o Segundo Caderno da história de Piedade


Conte um pouco sobre sua escrita.

A escrita é um vício. E atribuo tudo isso à minha infância. Minha avó declamava poesias à luz da lua e era muito bonito.


Me lembro que a primeira coisa que escrevi ainda menino, era um poeminha. Corri para mostrar à minha mãe. Ela estava puxando uma gaveta, limpando e não deu muita atenção. Mas sempre gostei de escrever. Daí para os outros eu estava sempre escrevendo e ficava pensando que queria escrever algo com as coisas que minha avó declamava.


Inclusive, escrevi sonetos como esse que vou declamar:


Se a vida toda fosse um só instante

Num curto espaço que me fosse dado

Feliz eu seria infinitamente

Se nesse instante eu vivesse ao teu lado


Se um só olhar me fosse permitido

Antes de partir para um outro lado

Eu iria alegre por ter visto o mundo

Se nos teus olhos eu tivesse olhado


Se grande fosse

não seria plena minha vida sem ser ao teu lado

Mas eu partirei feliz, realizado

Sabendo que viver valeu à pena

Por ter te conhecido e ter te amado


Fale sobre os seus livros.

Já publiquei 10 livros, sendo os primeiros de poesia. Depois escrevi “A máquina do mundo” quando estava morando na Itália. Ele é um livro de contos que se entrelaçam uns com os outros, um tipo de mecanismo para tentar explicar o mundo.


Sempre que estava em viagem na Europa, costumava visitar museus, igrejas e várias cidades. Com isso, comecei a escrever vários textos sobre o significado da pintura: como se fosse um pintor se perguntando qual o sentido da pintura, o sentido da arte... Essa foi uma maneira de tentar organizar sentimentos e pensamentos meus com relação à própria arte.

 

O Conto de todos os cantos sobre Brumadinho conta com o patrocínio da Vallourec via Lei de Incentivo à Cultura, e com o apoio do Comitê Local de Piedade do Paraopeba e da Associação dos Moradores da Comunidade de Suzana (AMOCOS).

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