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Conto de todos os cantos: Sr. Antônio Faria


Sr. Antônio Faria retocando uma peça de argila com um pincel fino.
Sr. Antônio Faria fazendo a peça "Pandemia". Créditos: Alícia Antonioli

Entusiasta das artes e contador de histórias nato, o artesão Sr. Antônio Faria faz mágica com os materiais que têm acesso; seja madeira, ferro ou argila. Natural de Belo Horizonte, vive há mais de dez anos em Jeceaba/MG.


Conhecedor das terras de Minas Gerais, já viveu em diferentes partes do estado, em função do trabalho que seu pai exercia na rede ferroviária. Além disso, trabalhou com mineração antes de se aposentar e se dedicar àquilo que faz com grande apreço: o artesanato.


Na entrevista abaixo, é possível descobrir a origem do trabalho do Sr. Antônio com peças de cerâmica e ler dois casos divertidos vividos por ele devido a esse ofício. A conversa foi realizada pelos arte-educadores Ana Malta, Priscila Mathilde e Gustavo Rosário. Confira!



Há quanto tempo o senhor faz peças de cerâmica?

Comecei a fazer peças de cerâmica muito novo. Tinha interesse em fazer artes em geral no meu tempo vago. Aprendi com um senhor já velho que trabalhava na rede ferroviária. O nome dele era Balduíno.


E o que o senhor sente quando está fazendo as peças?

É uma alegria tremenda! Aproxima você da natureza, por estar mexendo na terra. Eu acho que é a cura para muitos males. Quem mexe artesanato tá alegre porque não vê dificuldade, vê tudo de uma forma diferente.


Jeceaba, para mim, é uma cidade acolhedora. São poucas pessoas más, não é aquele lugar violento. Aqui você pode sair e deixar a casa aberta: é um lugar bom!

De onde vem a argila usada pelo senhor?

Faço tudo sozinho! Quando tenho tempo, busco argila longe. Vou para o mato, vejo os barrancos onde tem argila, pego um pouco e trago ela na mochila. Não tenho lugar certo para buscar porque a gente não pode tirar muito de um lugar só para não causar erosão. Então, você pega um pouco ali, um pouco acolá.


O senhor já levou suas peças para expor na feira de Jeceaba?

Já! Inclusive na entrada do Hospital de Jeceaba, próximo à portaria, tem uma peça. Em vários lugares tem peças minhas espalhadas: São Paulo afora.



Tem alguma história inusitada ou engraçada que o senhor possa nos contar?

Ó, tem uma bem engraçada. Uma vez, eu fiz um forno e pus umas peças para queimar. Enquanto isso, tinha um cara aqui da região que estava conversando comigo perto do forno. E, não sei se você sabe, mas a peça de barro quando não está seca, pode estourar e criar um estrondo danado. Tem horas que a argila surpreende...


A gente estava do lado de fora com o forno ligado, do nada deu um estrondo e o homem saiu correndo. Ele pensou que era tiro. Nisso, eu também me assustei porque pensei: “Se ele correu, eu vou correr também. Tem alguém dando tiro”. Imagina o susto, né?


Tem alguma outra história do tipo?

Teve uma vez que eu e o Balduíno fizemos uma cerâmica de uma santa perto de um lugar com água. Aí ele falou: “Ah, não vou carregar ela agora porque é muito pesada. Deixa ela aí secando”. Pusemos ela em cima d’uma pedra. Mas ele teve que viajar e nós nos esquecemos da santa, num fomos lá pegar ela de volta não.


Aí passou um tempo, nós fomos lá e tinha gente pegando água. Eles disseram que a santa apareceu lá, mas na verdade foi nós que esqueceu. O pessoal estava até rezando terço. As mulheres levavam o terço na caneca!


Nós deixamos quietinho… Eu falei: “Num vou falar nada não porque esse povo vai falar que é mentira”. Então, a santa ficou lá e deve estar lá até hoje. Ê.. Tem muita história!


Foto de perfil do artesão. Sua expressão é sorridente e espontânea.
Sr. Antônio conta casos engraçados que já viveu. Créditos: Alícia Antonioli

Além da cerâmica, o senhor faz algum outro tipo de artesanato?

O meu forte é a madeira. Mas tem épocas que eu faço trabalhos com argila, outras com ferro... Isso depende, porque cada ponto da minha vida eu trabalhei numa área diferente.


Quando trabalhava na mineração, aprendi a mexer com ferro, fazer artesanato, lidar com a forja. Fazia lustres e muitas peças decorativas com sucata.


Já a marcenaria vem de criança. O primeiro contato que eu tive foi com meu tio, que tinha uma marcenaria em Corinto/MG. Além disso, meu pai também era marceneiro. Na época, meu tio cortava a árvore no mato. Enquanto isso, eu guiava os bois para puxar a tora e ir para a serraria, onde ela era lixada. Então, posso dizer que a minha prática maior é com o entalhe em madeira. Sou de uma geração de bons marceneiros que faziam móveis. Faço cada coisa que você nem imagina!


Já saiu alguma reportagem em que falaram sobre o seu trabalho?

Ó, se fez eu não sei. Mas acho que não porque não é uma coisa muito divulgada, entendeu? É uma coisa fundo de quintal, não é pra mostrar. Eu faço para ter aquele agrado de fazer a peça. Quem agradar, compra. Num é uma coisa que dá dinheiro.


A arte no Brasil é para poucos. E o artista só fica famoso quando morre.

E como é a sua relação com o barro?

Eu faço mais como uma terapia, não como meio de vida. Estar modelando é uma coisa boa, gostosa de fazer. Você pega o nada, que é o barro, e cria uma peça que às vezes traz até encantamento para você mesmo.


O barro é aquilo que veio como uma fuga. Enquanto com a madeira você gasta várias ferramentas e depende de um material que já está escasso, a argila só depende de você e do barro. As ferramentas principais são a mão e a inspiração.


Se a madeira rachar, você perde ela, mas com o barro é diferente. Se a argila estourar, você volta com ela de novo para o molde. Se ela cair na hora do molde, você volta com ela para o balde e faz de novo. Ela não te machuca, não te queima como o ferro. E não deixa cicatrizes como a madeira. Mexer com argila é uma criação mesmo.

 

O Conto de todos os cantos sobre Jeceaba é patrocinado pela Vallourec via Conselho Municipal da Criança e do Adolescente de Jeceaba (CDMCA).

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